domingo, 15 de novembro de 2020

Redundâncias



A casa está vazia. A mãe sozinha. Isso aflige-me. Haverá vírus maior que a solidão?

As ruas estão em silêncio. Cheira a queimadas - folhas secas misturadas com nostalgia. O fumo espalha-se pelo ar do jardim e traz vontade de laços e de abraços apertados que decido transformar em broas de batata doce. Sensações de regresso a casa, é o que se precisa. Raizes.
O tempo está agridoce, o ânimo divide-se entre a resiliência e o cansaço. Se calhar nestes dias era melhor não escrever, nem tentar juntar palavras e limitar-me aos envolventes rituais de cozinha, juntar lamúrias, nozes partidas e erva doce.
Na cozinha os pensamentos não me consomem. Raspo uma laranja. As laranjeiras por aqui estão de lotação esgotada com mais frutos que folhas, manchas luminosas e cheias de vida, no meio da paisagem bucólica e desprendida do outono. As árvores também são mães, com os seus rebentos, uns doces, outros amargos, uns de polpas macias e outros de cascas duras. No fim, somos todos ramos da mesma árvore. As mães são casa, são regresso e abraço, são colo e ombro, conforto e também confronto, às vezes.
No espelho, olho o reflexo e lembro-me todas as vezes que disse que ia ser diferente enquanto me saltam as semelhanças à flor da pele, como sinais do sol de verão.
Não devia ser permitido depois de uma vida a criar raízes e a fortalecer ramos e frutos, ficar ali num género de letargia imposta, sem ninguém a fazer companhia e já quase nada para florescer.
Junto as raspas das laranjas à batata doce assada e vou amassando. São delicadas, as pequenas broas. Pensar que já estamos quase no Natal...mais uns dias e faço mas é bolo rei, que gosto tanto!
Deixo o forno aquecer e vou fazer uma caminhada para abrir o apetite e telefonar para casa de três letrinhas apenas.
"- Boa noite, mãe. Como te sentes hoje? Amanhã levo-te broas abraço".

Coração na lua

O dia amanhece nublado. Será só aqui ou também no resto do mundo? Aqui é um mundo. À parte do outro.  Já nem me lembro bem o ano exacto em q...