quarta-feira, 22 de julho de 2020
A cor púrpura
"A água de nevão dá pão; a de trovão, em parte dá, em parte não."
Adoro a sabedoria popular! Ontem caiu tanta água de trovão que parecia que até o céu ia cair também.
Em miúda tinha pavor de tempestades e trovoadas, depois fui-me lembrando da minha verdadeira natureza, afinal nasci na pré revolução. O que não me agrada é a antecipação. A temperatura excessiva, a pele a colar e o ar denso e pesado.
Gosto-lhes do som, dos brilhos incandescentes no céu, do compasso de espera entre trovões, do cheiro que fica na terra e do silêncio aliviado que aparece no fim.
Sinto as trovoadas como a necessidade do caos para instaurar novamente a ordem. Já quando estou em tempestade interior, (quem nunca?) há duas bonanças que procuro. Praia e cozinha. A praia baixa-me o ritmo cardíaco. Olhar para a linha do horizonte no mar, lembra-me de ver as situações de outras perspectivas. A maresia entra-me na respiração profunda como um filtro e o banho na água salgada, quando aguento as temperaturas do oeste, renova-me o ânimo e enche-me de inspiração. Na praia, arrumo tudo no sítio certo, paro e respiro. Na cozinha, tal habitat natural, não há pausas, é um constante bailado criativo. Não importa se chove ou se faz sol, tudo é natural.
Sou eu, os alimentos, a música que toca, a luz que entra pela janela ao fim do dia, a minha hora favorita, o som dos pássaros lá fora. As tábuas de corte, as colheres de pau, o fogão e as facas. Em época de batata doce roxa, tudo isto é elevado ao seu expoente máximo. A maioria das pessoas olha para uma batata disforme, acastanhada, cheia de pó da terra e praticamente inodora e não vislumbra o potencial nutrivo nem a beleza escondida no seu interior. A batata doce é um milagre. A roxa é a mais bonita. Tem a polpa mais macia e a cor mais irresistível. Gosto de as assar com tempo que assim concentram mais os sabores do interior. Servem para quase tudo, sopas, purés coloridos, rolos de forno, chips ou tartes. Eu não resisto a tarte de batata doce de cor púrpura. Amasso a polpa com farinha de amêndoa e vagem de baunilha. Dou-lhe a textura cremosa que a vai segurar depois de fria com óleo de côco. Não precisa de açúcar nenhum. São tão doces como os momentos da vida quando aprendemos a apreciar tudo o que faz parte da natureza. Mesmo as tempestades.
segunda-feira, 20 de julho de 2020
Despertar
-Queridas pessoas que passam a vida a lamúriar e a queixar-se de tudo, plenas de resmunguice, experimentem passar um dia dentro de uma cozinha a fazer comida e jejum em simultâneo.
Estou a proibir-me de lamber dedos, depenicar as pontas das cenouras da sopa, fugir a sete pés da ideia de ir comendo os pêssegos enquanto os corto para a tarte. Não que precise provar, conheço os sabores de cor. Mas por norma, eu a preparar comida, tenho algumas semelhanças com um esquilo ou outro roedor qualquer que agarra, põe na boca, mastiga e armazena para depois. Isto sim, verdadeira ironia do destino!
Na última conversa astrológica que tive com o meu amigo João Paulo, que é brilhante nessa área, lembro-me de me ter dito que nos anos próximos iria sentir-me com a minha verdadeira idade.
Isto passou-se há uns três ou quatro anos e na altura fez-me uma confusão imensa. O que toda a vida senti e transmiti aos meus filhos, é que o corpo vai crescendo, as emoções vão-se adaptando aos caminhos e às histórias de que somos protagonistas, mas a criança interior está sempre lá, a lembrar-nos da nossa essência e do que - realmente - importa.
Hoje, com 46 primaveras e uns quatro anos depois da conversa com o João, começo finalmente a perceber o que ele me queria dizer. Acho até que começou a ficar mais claro há quase um ano. O relógio mudou ao aproximar-se dos 45. A criança está cá, graças ao grande Cosmos, mas começa a ter noção que há coisas que se estão a metamorfosear. É bom, na sabedoria que nos traz conforto ao que sabemos que somos e não abdicamos e, também flexibilidade para compreendermos que em determinadas situações conseguimos ser melhores, diferentes, com um poder de adaptação e agilidade de processamento, que sempre tivemos, mas que estamos agora a tomar cada vez mais consciência.
A parte mais difícil de assimilar, é que o nosso corpo sempre teve noção disto e agora mostra-nos que somos nós que estamos desfasados no ritmo. O espelho confirma. A balança susurra. Os botões dos vestidos saltam. Os ténis pedem caminhadas e os fatos de treino escondidos no fundo das gavetas teimam em voltar ao activo.
Os pulmões empurram com necessidade de respirar melhor e cérebro lembra que precisa de mais oxigenação para ontem! Não há como evitar. É preciso alterar hábitos e rotinas, dar carinho e cuidado, criar regras para tomarmos conta de nós como gostamos de tomar dos outros.
O cheiro da vagem de baunilha na Tarte de Pêssego começa a desviar-me o foco. Acordei às oito e em circunstâncias de go with the flow, já tinha comido umas belas torradas com a caneca de café cheio de espuma. A meio da manhã já marchavam dois pêssegos da caçarola que os cozeu para a tarte e, de certeza, uns punhados de nozes ou o que me passasse pela frente, entretanto. Mas isso era a outra eu, a de ontem.
Hoje é dia de voltar à sintonia com o corpo e com o resto. Os impulsos que esperem! Agora, vou almoçar um copo de seiva com sumo de limão e caiena e fingir que não estou a cheirar nada do que está à minha volta.
Estou a proibir-me de lamber dedos, depenicar as pontas das cenouras da sopa, fugir a sete pés da ideia de ir comendo os pêssegos enquanto os corto para a tarte. Não que precise provar, conheço os sabores de cor. Mas por norma, eu a preparar comida, tenho algumas semelhanças com um esquilo ou outro roedor qualquer que agarra, põe na boca, mastiga e armazena para depois. Isto sim, verdadeira ironia do destino!
Na última conversa astrológica que tive com o meu amigo João Paulo, que é brilhante nessa área, lembro-me de me ter dito que nos anos próximos iria sentir-me com a minha verdadeira idade.
Isto passou-se há uns três ou quatro anos e na altura fez-me uma confusão imensa. O que toda a vida senti e transmiti aos meus filhos, é que o corpo vai crescendo, as emoções vão-se adaptando aos caminhos e às histórias de que somos protagonistas, mas a criança interior está sempre lá, a lembrar-nos da nossa essência e do que - realmente - importa.
Hoje, com 46 primaveras e uns quatro anos depois da conversa com o João, começo finalmente a perceber o que ele me queria dizer. Acho até que começou a ficar mais claro há quase um ano. O relógio mudou ao aproximar-se dos 45. A criança está cá, graças ao grande Cosmos, mas começa a ter noção que há coisas que se estão a metamorfosear. É bom, na sabedoria que nos traz conforto ao que sabemos que somos e não abdicamos e, também flexibilidade para compreendermos que em determinadas situações conseguimos ser melhores, diferentes, com um poder de adaptação e agilidade de processamento, que sempre tivemos, mas que estamos agora a tomar cada vez mais consciência.
A parte mais difícil de assimilar, é que o nosso corpo sempre teve noção disto e agora mostra-nos que somos nós que estamos desfasados no ritmo. O espelho confirma. A balança susurra. Os botões dos vestidos saltam. Os ténis pedem caminhadas e os fatos de treino escondidos no fundo das gavetas teimam em voltar ao activo.
Os pulmões empurram com necessidade de respirar melhor e cérebro lembra que precisa de mais oxigenação para ontem! Não há como evitar. É preciso alterar hábitos e rotinas, dar carinho e cuidado, criar regras para tomarmos conta de nós como gostamos de tomar dos outros.
O cheiro da vagem de baunilha na Tarte de Pêssego começa a desviar-me o foco. Acordei às oito e em circunstâncias de go with the flow, já tinha comido umas belas torradas com a caneca de café cheio de espuma. A meio da manhã já marchavam dois pêssegos da caçarola que os cozeu para a tarte e, de certeza, uns punhados de nozes ou o que me passasse pela frente, entretanto. Mas isso era a outra eu, a de ontem.
Hoje é dia de voltar à sintonia com o corpo e com o resto. Os impulsos que esperem! Agora, vou almoçar um copo de seiva com sumo de limão e caiena e fingir que não estou a cheirar nada do que está à minha volta.
sexta-feira, 17 de julho de 2020
Orbis
Acabei de ver uma estrela cadente. O céu está lindo e a noite cheia de sons de silêncio da natureza.
A temperatura tem estado tão elevada que as noites frescas nos parecem um mito campestre distante. Jantamos no terraço à luz de velas e da lua minguante.
Quando se ama e se cozinha para outros, uma refeição nunca é apenas uma necessidade fisiológica. Alimentar nunca é só uma rotina. Há sempre todo um cenário que vai muito além das matérias no prato.
As velas não são exclusivas de rituais de conquista. A toalha é mais que uma base têxtil de suporte a utensílios, os copos são mais que um recipiente, a comida não será jamais uma simples forma de recarregar o corpo com energia nem tampouco de somente satisfazer a gula.
É preciso ver sempre tudo além do óbvio mundano.
Há poesia e uma razão maior quando se faz com amor.
Em tempos participei num workshop em Sintra com a querida maga Isa, com quem aprendi muito sobre o Egipto, além das icónicas pirâmides.
Os egípcios acreditavam que determinada simbologia tinha poderes mágicos e marcavam o pão com um utensílio idêntico ao ferro que usamos para queimar o açúcar no leite creme, porque essas marcas, esses símbolos gravados na comida, ao serem ingeridos transferiam a sua magia aos comensais.
De certa forma, acredito que em tudo o que colocamos uma boa intenção - amor - essa magia, a verdadeira magia, afinal, acaba por passar para quem nos rodeia.
A entrega e dedicação na escolha do detalhe, a toalha, o menu de acordo com o gosto de quem come, as velas que dão a média luz que nos lembra que há mais brilho quando está escuro, o tempo que dedicamos a ralar os vegetais para a salada, para que tenham os sabores e as texturas ideiais mas que as cores também sobressaiam e tornem a salada numa paleta que lembra um quadro, porque também uma salada, é muito mais que um mero acompanhamento. Os frutos vermelhos que flutuam nos copos de cristal que pertenceram ao enxoval de casamento da minha avó, o céu cheio de estrelas e algumas até caiem só para podermos pedir desejos. Vou desejar, que num mundo que tantas vezes me parece uma noite escura, tenha sempre a capacidade de poder iluminar as vidas de quem me rodeia.
A temperatura tem estado tão elevada que as noites frescas nos parecem um mito campestre distante. Jantamos no terraço à luz de velas e da lua minguante.
Quando se ama e se cozinha para outros, uma refeição nunca é apenas uma necessidade fisiológica. Alimentar nunca é só uma rotina. Há sempre todo um cenário que vai muito além das matérias no prato.
As velas não são exclusivas de rituais de conquista. A toalha é mais que uma base têxtil de suporte a utensílios, os copos são mais que um recipiente, a comida não será jamais uma simples forma de recarregar o corpo com energia nem tampouco de somente satisfazer a gula.
É preciso ver sempre tudo além do óbvio mundano.
Há poesia e uma razão maior quando se faz com amor.
Em tempos participei num workshop em Sintra com a querida maga Isa, com quem aprendi muito sobre o Egipto, além das icónicas pirâmides.
Os egípcios acreditavam que determinada simbologia tinha poderes mágicos e marcavam o pão com um utensílio idêntico ao ferro que usamos para queimar o açúcar no leite creme, porque essas marcas, esses símbolos gravados na comida, ao serem ingeridos transferiam a sua magia aos comensais.
De certa forma, acredito que em tudo o que colocamos uma boa intenção - amor - essa magia, a verdadeira magia, afinal, acaba por passar para quem nos rodeia.
A entrega e dedicação na escolha do detalhe, a toalha, o menu de acordo com o gosto de quem come, as velas que dão a média luz que nos lembra que há mais brilho quando está escuro, o tempo que dedicamos a ralar os vegetais para a salada, para que tenham os sabores e as texturas ideiais mas que as cores também sobressaiam e tornem a salada numa paleta que lembra um quadro, porque também uma salada, é muito mais que um mero acompanhamento. Os frutos vermelhos que flutuam nos copos de cristal que pertenceram ao enxoval de casamento da minha avó, o céu cheio de estrelas e algumas até caiem só para podermos pedir desejos. Vou desejar, que num mundo que tantas vezes me parece uma noite escura, tenha sempre a capacidade de poder iluminar as vidas de quem me rodeia.
quarta-feira, 15 de julho de 2020
Deméter
Hoje vou fazer Spring Rolls e acordei entusiasmadíssima a pensar nas cores imensas dos legumes e das frutas que quero usar no meio dos noodles que vão dar corpo às folhinhas de arroz.
São curiosas as razões que nos movem em determinados sentidos, para certos caminhos e por vezes também são inexplicáveis, mas não neste caso específico.
Uma vez, contei resumidamente a minha história de vida e disseram-me que parecia que já tinha vivido umas três numa só.
Às vezes sinto isso, mas nunca me esqueço que tenho muita sorte e que sou uma verdadeira privilegiada.
Também me perguntam porque decidi mudar-me para o centro do país e se calhar, para a maioria das pessoas seria importante uma quantidade enorme de factores de selecção ponderados.
Claro que a proximidade relativa à capital e as boas escolas para as crianças foram tidas em consideração, mas no meu caso e eliminando as condições fundamentais para o todo, o que me moveu foi a fertilidade do local. Não sei se me faço entender. Já morei em quase todas as zonas do país a norte do Tejo. Falta-me o sul, o Alentejo, isso ainda está para acontecer um dia. Agora estou aqui, no meio, na simetria que me faltava. Nunca pelos sítios por onde passei havia esta fartura a brotar da terra. Para onde quer que me vire nasce alguma coisa do chão ou dos ramos das árvores. Pereiras, macieiras, pessegueiros, ameixeiras, videiras carregadas de uvas, campos inteiros cultivados de acelgas ou batatas, couves, melões ou pepinos. Para quem dá importância ao que come, a zona é um autêntico festim. Atenção, uma das principais atrações à volta é a Praça da Fruta, por isso, o encantamento não foi só a mim que apanhou. À minha frente tenho beterrabas, cenouras, pepinos, couve roxa e alho francês que trouxe da praça. Também já parti em tirinhas a manga e o abacate. Está muito calor e só apetecem saladas e vegetais frescos e hidratantes. Pois, já agora é melhor fazer um chá gelado, tenho umas folhas de hortelã a libertar cheiros que sorriem para mim. Estes rolos, como as folhas de arroz são muito finas e vou recheá-los com muitas cores bonitas ficam com um aspecto que parecem pintados de arco íris.
Somos o que comemos, por isso parece-me bem.
São curiosas as razões que nos movem em determinados sentidos, para certos caminhos e por vezes também são inexplicáveis, mas não neste caso específico.
Uma vez, contei resumidamente a minha história de vida e disseram-me que parecia que já tinha vivido umas três numa só.
Às vezes sinto isso, mas nunca me esqueço que tenho muita sorte e que sou uma verdadeira privilegiada.
Também me perguntam porque decidi mudar-me para o centro do país e se calhar, para a maioria das pessoas seria importante uma quantidade enorme de factores de selecção ponderados.
Claro que a proximidade relativa à capital e as boas escolas para as crianças foram tidas em consideração, mas no meu caso e eliminando as condições fundamentais para o todo, o que me moveu foi a fertilidade do local. Não sei se me faço entender. Já morei em quase todas as zonas do país a norte do Tejo. Falta-me o sul, o Alentejo, isso ainda está para acontecer um dia. Agora estou aqui, no meio, na simetria que me faltava. Nunca pelos sítios por onde passei havia esta fartura a brotar da terra. Para onde quer que me vire nasce alguma coisa do chão ou dos ramos das árvores. Pereiras, macieiras, pessegueiros, ameixeiras, videiras carregadas de uvas, campos inteiros cultivados de acelgas ou batatas, couves, melões ou pepinos. Para quem dá importância ao que come, a zona é um autêntico festim. Atenção, uma das principais atrações à volta é a Praça da Fruta, por isso, o encantamento não foi só a mim que apanhou. À minha frente tenho beterrabas, cenouras, pepinos, couve roxa e alho francês que trouxe da praça. Também já parti em tirinhas a manga e o abacate. Está muito calor e só apetecem saladas e vegetais frescos e hidratantes. Pois, já agora é melhor fazer um chá gelado, tenho umas folhas de hortelã a libertar cheiros que sorriem para mim. Estes rolos, como as folhas de arroz são muito finas e vou recheá-los com muitas cores bonitas ficam com um aspecto que parecem pintados de arco íris.
Somos o que comemos, por isso parece-me bem.
sexta-feira, 10 de julho de 2020
Clepsidra
Há de certeza um ou mais pontos de viragem durante a vida, tipo, a puberdade, a maternidade e a menopausa e ainda as rectas, curvas e contra-curvas que apanhamos pelo meio e que nos vão levando pelos caminhos com mais ou menos contorcionismo.
Sejam os factores biológicos, celulares, metabólicos, ou cronológicos - tanto faz - é o tempo, o tempo em nós.
Até uma determinada fase da vida, não sei quando ao certo, dá sempre para tudo, os dias parecem não ter fim, damo-nos ao luxo de ansiar pelos fins de semana, férias, pelos jantares, passeios, tardes de sofá ou festarolas com os amigos.
Sempre uma vontade que os dias passem rápido para usufruírmos disto ou daquilo. Depois, vem o tal ponto de viragem e tudo muda e nem sabemos como.
-"Já hoje é quarta feira? Ainda ontem foi domingo" ou " Vamos a meio de Julho? Parece que acabámos de arrumar os enfeites de Natal".
E em simultâneo neste ritmo alucinante vamos tentando pôr amizades em dia, cumprir promessas de visitas por fazer, os jantares e passeios vão-se adiando e afazeres ficam por consumar, porque o tempo parece viajar mais rápido que a luz e muito mais que nós.
Que saudades de uma viagem! Não que não me farte de andar por aí em espírito, em praias de mares mornos e sem ondas ou em densas florestas de chuvas tropicais, ou no meio de mercados coloridos, cheios de frutas e legumes frescos, especiarias e flores, mas apetecia mesmo era pegar na mochila e levar também o corpo para lugares bonitos. Tenho é que me levar para a cozinha que hoje a viagem vai ser outra, se bem que é quase uma ida a Itália, a minha Lasanha Vegetariana, que me lembra outra vez dos por fazer e dos urgente ir. Florença espera-me há uns anos e por três vezes estive para ir e tive que adiar por razões maiores.
Vou dedicar o menu a essa viagem destinada por cumprir, decido eu enquanto tiro a pele do tomate para o molho!
Já apanhei as acelgas e o manjericão e a cebola já palpita no azeite com o louro. Quem me dá massas frescas, dá-me quase tudo! Como se diz em Roma - Mangia bene, ridi spesso, ama molto.
Sejam os factores biológicos, celulares, metabólicos, ou cronológicos - tanto faz - é o tempo, o tempo em nós.
Até uma determinada fase da vida, não sei quando ao certo, dá sempre para tudo, os dias parecem não ter fim, damo-nos ao luxo de ansiar pelos fins de semana, férias, pelos jantares, passeios, tardes de sofá ou festarolas com os amigos.
Sempre uma vontade que os dias passem rápido para usufruírmos disto ou daquilo. Depois, vem o tal ponto de viragem e tudo muda e nem sabemos como.
-"Já hoje é quarta feira? Ainda ontem foi domingo" ou " Vamos a meio de Julho? Parece que acabámos de arrumar os enfeites de Natal".
E em simultâneo neste ritmo alucinante vamos tentando pôr amizades em dia, cumprir promessas de visitas por fazer, os jantares e passeios vão-se adiando e afazeres ficam por consumar, porque o tempo parece viajar mais rápido que a luz e muito mais que nós.
Que saudades de uma viagem! Não que não me farte de andar por aí em espírito, em praias de mares mornos e sem ondas ou em densas florestas de chuvas tropicais, ou no meio de mercados coloridos, cheios de frutas e legumes frescos, especiarias e flores, mas apetecia mesmo era pegar na mochila e levar também o corpo para lugares bonitos. Tenho é que me levar para a cozinha que hoje a viagem vai ser outra, se bem que é quase uma ida a Itália, a minha Lasanha Vegetariana, que me lembra outra vez dos por fazer e dos urgente ir. Florença espera-me há uns anos e por três vezes estive para ir e tive que adiar por razões maiores.
Vou dedicar o menu a essa viagem destinada por cumprir, decido eu enquanto tiro a pele do tomate para o molho!
Já apanhei as acelgas e o manjericão e a cebola já palpita no azeite com o louro. Quem me dá massas frescas, dá-me quase tudo! Como se diz em Roma - Mangia bene, ridi spesso, ama molto.
segunda-feira, 6 de julho de 2020
A Viagem
Cada vez que dou por mim estendida na toalha, de pés na areia, cheiro e som de mar e o sol a brilhar, sinto que sou uma verdadeira privilegiada! A temperatura amena e a praia quase vazia. Ainda passei uns minutos a fazer uma das minhas coisas favoritas - procurar conchas bonitas e seixos peculiares.
Já tenho uma colecção tão grande de pedras que um dia construo uma casa, penso eu com o exagero típico que me caracteriza. Esta mania de coleccionar calhaus e afins de certeza que vem da minha irmã Margarida que julgo que ainda hoje tem um belo espólio de fósseis e pedras bonitas. Encontrei uma linda junto ao mar no Baleal, castanha com três riscas douradas que parecem pintadas com régua de tão perfeitas e simétricas que são. Que tesouro!!
Hoje mereço usufruir! Passei a manhã a tentar cozinhar o perfeito byriani de legumes, e juro, juro mesmo, que se não ficou perfeito, esteve quase lá perto. E eu nem tenho grande jeito para arroz. E sim, já experimentei todas as fórmulas e já aceitei a condição. Além disso, prefiro usar o integral e esse raramente me falha.
As especiarias rebetam de vida no azeite quente e na cebola alourada. Cheira a cravinho, cominhos, curcuma, canela e coentros, os cinco 'c' dos sabores essenciais na cozinha indiana. Ou na que eu tento cozinhar, pelo menos. E falta o cardamomo, que me vai dar um suave tom alimonado.
Um dia hei de voltar a morar junto ao mar, divago eu no meio dos aromas das especiarias que me transportam numa viagem cheia de cor. Cada vez dou mais valor aos prazeres simples. Podem tirar-me da praia, mas não tiram a praia de mim.
Não compreendo bem, nesta minha mente optimista e com predisposição automática para ver o melhor das situações, como é que há pessoas que acham que amadurecer não é bom. Eu olho para trás e para as parvoíces que me tiraram noites de sono e trouxeram desassossego e ansiedade e respiro fundo em gratidão por esta capacidade em crescendo de conseguir filtrar o que mais me acrescenta do que me tira simetria e equilíbrio.
Tantos anos para assimilar o que à partida sempre foi óbvio. Aceito de bom grado as rugas e vincos de expressão, o metabolismo lento que me assentou nas coxas com vontade de ficar e que me lembra do quanto sabe bem acalmar o ritmo, em troca da sabedoria adocicada que sinto que a idade me vai trazendo.
E neste ritmo envolvente de mexe tacho, com os perfumes dos sabores que vão dançando em vapores pela cozinha, sonho com a casa em frente ao mar com todas as pedras que vou apanhando, o alpendre coberto e a cama de rede, os tomilhos e alfazemas ao fundo e o sol dourado a deixar-se ir num novo dia.
Já tenho uma colecção tão grande de pedras que um dia construo uma casa, penso eu com o exagero típico que me caracteriza. Esta mania de coleccionar calhaus e afins de certeza que vem da minha irmã Margarida que julgo que ainda hoje tem um belo espólio de fósseis e pedras bonitas. Encontrei uma linda junto ao mar no Baleal, castanha com três riscas douradas que parecem pintadas com régua de tão perfeitas e simétricas que são. Que tesouro!!
Hoje mereço usufruir! Passei a manhã a tentar cozinhar o perfeito byriani de legumes, e juro, juro mesmo, que se não ficou perfeito, esteve quase lá perto. E eu nem tenho grande jeito para arroz. E sim, já experimentei todas as fórmulas e já aceitei a condição. Além disso, prefiro usar o integral e esse raramente me falha.
As especiarias rebetam de vida no azeite quente e na cebola alourada. Cheira a cravinho, cominhos, curcuma, canela e coentros, os cinco 'c' dos sabores essenciais na cozinha indiana. Ou na que eu tento cozinhar, pelo menos. E falta o cardamomo, que me vai dar um suave tom alimonado.
Um dia hei de voltar a morar junto ao mar, divago eu no meio dos aromas das especiarias que me transportam numa viagem cheia de cor. Cada vez dou mais valor aos prazeres simples. Podem tirar-me da praia, mas não tiram a praia de mim.
Não compreendo bem, nesta minha mente optimista e com predisposição automática para ver o melhor das situações, como é que há pessoas que acham que amadurecer não é bom. Eu olho para trás e para as parvoíces que me tiraram noites de sono e trouxeram desassossego e ansiedade e respiro fundo em gratidão por esta capacidade em crescendo de conseguir filtrar o que mais me acrescenta do que me tira simetria e equilíbrio.
Tantos anos para assimilar o que à partida sempre foi óbvio. Aceito de bom grado as rugas e vincos de expressão, o metabolismo lento que me assentou nas coxas com vontade de ficar e que me lembra do quanto sabe bem acalmar o ritmo, em troca da sabedoria adocicada que sinto que a idade me vai trazendo.
E neste ritmo envolvente de mexe tacho, com os perfumes dos sabores que vão dançando em vapores pela cozinha, sonho com a casa em frente ao mar com todas as pedras que vou apanhando, o alpendre coberto e a cama de rede, os tomilhos e alfazemas ao fundo e o sol dourado a deixar-se ir num novo dia.
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