segunda-feira, 20 de julho de 2020

Despertar

-Queridas pessoas que passam a vida a lamúriar e a queixar-se de tudo, plenas de resmunguice, experimentem passar um dia dentro de uma cozinha a fazer comida e jejum em simultâneo.
Estou a proibir-me de lamber dedos, depenicar as pontas das cenouras da sopa, fugir a sete pés da ideia de ir comendo os pêssegos enquanto os corto para a tarte. Não que precise provar, conheço os sabores de cor. Mas por norma, eu a preparar comida, tenho algumas semelhanças com um esquilo ou outro roedor qualquer que agarra, põe na boca, mastiga e armazena para depois. Isto sim, verdadeira ironia do destino!
Na última conversa astrológica que tive com o meu amigo João Paulo, que é brilhante nessa área, lembro-me de me ter dito que nos anos próximos iria sentir-me com a minha verdadeira idade.
Isto passou-se há uns três ou quatro anos e na altura fez-me uma confusão imensa. O que toda a vida senti e transmiti aos meus filhos, é que o corpo vai crescendo, as emoções vão-se adaptando aos caminhos e às histórias de que somos protagonistas, mas a criança interior está sempre lá, a lembrar-nos da nossa essência e do que - realmente - importa.
Hoje, com 46 primaveras e uns quatro anos depois da conversa com o João, começo finalmente a perceber o que ele me queria dizer. Acho até que começou a ficar mais claro há quase um ano. O relógio mudou ao aproximar-se dos 45. A criança está cá, graças ao grande Cosmos, mas começa a ter noção que há coisas que se estão a metamorfosear. É bom, na sabedoria que nos traz conforto ao que sabemos que somos e não abdicamos e, também flexibilidade para compreendermos que em determinadas situações conseguimos ser melhores, diferentes, com um poder de adaptação e agilidade de processamento, que sempre tivemos, mas que estamos agora a tomar cada vez mais consciência.
A parte mais difícil de assimilar, é que o nosso corpo sempre teve noção disto e agora mostra-nos que somos nós que estamos desfasados no ritmo. O espelho confirma. A balança susurra. Os botões dos vestidos saltam. Os ténis pedem caminhadas e os fatos de treino escondidos no fundo das gavetas teimam em voltar ao activo.
Os pulmões empurram com necessidade de respirar melhor e cérebro lembra que precisa de mais oxigenação para ontem! Não há como evitar. É preciso alterar hábitos e rotinas, dar carinho e cuidado, criar regras para tomarmos conta de nós como gostamos de tomar dos outros.
O cheiro da vagem de baunilha na Tarte de Pêssego começa a desviar-me o foco. Acordei às oito e em circunstâncias de go with the flow, já tinha comido umas belas torradas com a caneca de café cheio de espuma. A meio da manhã já marchavam dois pêssegos da caçarola que os cozeu para a tarte e, de certeza, uns punhados de nozes ou o que me passasse pela frente, entretanto. Mas isso era a outra eu, a de ontem.
Hoje é dia de voltar à sintonia com o corpo e com o resto. Os impulsos que esperem! Agora, vou almoçar um copo de seiva com sumo de limão e caiena e fingir que não estou a cheirar nada do que está à minha volta. 

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