quarta-feira, 22 de julho de 2020
A cor púrpura
"A água de nevão dá pão; a de trovão, em parte dá, em parte não."
Adoro a sabedoria popular! Ontem caiu tanta água de trovão que parecia que até o céu ia cair também.
Em miúda tinha pavor de tempestades e trovoadas, depois fui-me lembrando da minha verdadeira natureza, afinal nasci na pré revolução. O que não me agrada é a antecipação. A temperatura excessiva, a pele a colar e o ar denso e pesado.
Gosto-lhes do som, dos brilhos incandescentes no céu, do compasso de espera entre trovões, do cheiro que fica na terra e do silêncio aliviado que aparece no fim.
Sinto as trovoadas como a necessidade do caos para instaurar novamente a ordem. Já quando estou em tempestade interior, (quem nunca?) há duas bonanças que procuro. Praia e cozinha. A praia baixa-me o ritmo cardíaco. Olhar para a linha do horizonte no mar, lembra-me de ver as situações de outras perspectivas. A maresia entra-me na respiração profunda como um filtro e o banho na água salgada, quando aguento as temperaturas do oeste, renova-me o ânimo e enche-me de inspiração. Na praia, arrumo tudo no sítio certo, paro e respiro. Na cozinha, tal habitat natural, não há pausas, é um constante bailado criativo. Não importa se chove ou se faz sol, tudo é natural.
Sou eu, os alimentos, a música que toca, a luz que entra pela janela ao fim do dia, a minha hora favorita, o som dos pássaros lá fora. As tábuas de corte, as colheres de pau, o fogão e as facas. Em época de batata doce roxa, tudo isto é elevado ao seu expoente máximo. A maioria das pessoas olha para uma batata disforme, acastanhada, cheia de pó da terra e praticamente inodora e não vislumbra o potencial nutrivo nem a beleza escondida no seu interior. A batata doce é um milagre. A roxa é a mais bonita. Tem a polpa mais macia e a cor mais irresistível. Gosto de as assar com tempo que assim concentram mais os sabores do interior. Servem para quase tudo, sopas, purés coloridos, rolos de forno, chips ou tartes. Eu não resisto a tarte de batata doce de cor púrpura. Amasso a polpa com farinha de amêndoa e vagem de baunilha. Dou-lhe a textura cremosa que a vai segurar depois de fria com óleo de côco. Não precisa de açúcar nenhum. São tão doces como os momentos da vida quando aprendemos a apreciar tudo o que faz parte da natureza. Mesmo as tempestades.
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