Valha-nos a Sta padroeira dos optimistas que para onde quer que me vire só ouço lamúrias! Ando na praça de phones nos ouvidos. A música protege-me do que prefiro não ouvir. Agora que até sinto que estou num momento intervalo, deixem-me usufruir da minha bolha, que logo volto!
O momento intervalo é uma daquelas fases em que sentimos harmonia em nós mesmo que à volta a coisa possa estar em desassossego. É assim uma espécie de bem estar sereno em que parece que tudo está no sítio que deve estar e tem sabor a intervalo do grande Cosmos. Ou fizemos alguma coisa para merecer ou o Cosmos está distraído com outra coisa qualquer. Seja como for, há que deixar a bênção fluir e agradecer.
A abundância da fruta local deixa-me feliz! São bancas cheias de alperces, pêssegos, abrunhos, cerejas e morangos. E melões brancos e verdes, meloas e melancias. As pêras da terra também já estão boas para colher e foi a isso que vim. Pêra rocha com alperces, soa-me a combinação perfeita para o que preciso.
Esta fartura de cores e cheiros, a riqueza que a natureza nos oferece é quase o que basta para me encher de gratidão e começar o dia a sorrir. Ter trabalho e pessoas para alimentar também. E saúde e coragem, fundamentais, claro! E abraços de quem amamos. E um pouco de sol e mar e já temos quase tudo!
É dia de experiências novas e vou pegar nas pêras e alperces e fazer uma baklava. Há qualquer coisa na comida étnica que me encanta. Não que a nossa gastronomia não dê pano para mangas ou nozes para nougat mas parece sempre que as especiarias e ervas do oriente me dão uma sensação de conforto, tipo regresso a casa. Um dia tive uma cartomante que me disse que numa outra vida fui da India e ainda noutra da Grécia. É um facto que adoro comida indiana e mitologia grega!
E pelos vistos fartei-me de andar por outros mundos a reunir uma carrada de delícias na alma para as transportar agora para a cozinha e lhes dar vida do meu jeito. As pêras já cozem com os alperces em lume brando com cardamomo, pau de canela, cravinho e flor de anís. Vão apurando devagarinho e libertando sabores e sucos até ficarem em geleia para humedecerem as folhas de massa filo que já estão polvilhadas de pistacios torrados e picados. Ai se as palavras tivessem cheiro!
terça-feira, 30 de junho de 2020
terça-feira, 16 de junho de 2020
Sina
Eu explico. Não é uma questão de religião nem tampouco de fé que não tem paredes para mim. Pode ser do ritual, daqueles que gosto mesmo de cumprir, mas começou com uma razão e essa razão há-de ter um nome, mas eu não sei qual é. É um género de fórmula que existe dentro das igrejas que me encanta - a relação ou proporção equilibrada entre iluminação-cheiro-temperatura.
Não sei explicar melhor, mas este factor arrasta-me magneticamente para o interior e faz-me sentir rendida, cheia de gratidão e serenidade. Por norma, acendo uma vela e faço um pedido ou um agradecimento à Luz da chama divina que também faz parte de nós. Esta fé muito própria e isenta de dogmas, dá-me estrutura, fortalece-me e inspira-me. Vou contando que ali em baixo na rua do Ouro era a loja do meu tio avô Manel pequeno e que a minha avó Maria do Rosário tinha trabalhado lá antes do meu avô a levar para o Alentejo, coitada. E eu até adoro o Alentejo. Sonho um dia ter um monte com um alpendre virado a oeste para ver o por de sol com cheiro de maresia e luz dourada, no meio de plantações e de charcos com rãs e melros, claro. Melros, sempre! Sinfonias perfeitas a sul. Mas o caminho agora é outro, ainda.
Seguimos para o supermercado chinês. Não se passa pela baixa sem dar um salto ao Martim Moniz. Pelo caminho ainda espreitamos a melhor livraria Lisboeta onde teria ficado o resto do dia se os miúdos não me empurrassem para fora.
A Sá da Costa é um mundo. Um dos meus mundos favoritos.
Tanta pressa para sair e eu ainda nem tinha chegado à secção de culinária...
Já bate a fome e prometi que fazia almoço. É sabido que na condição de mãe cozinheira compulsiva não há dias de folga de saciar filhos. E apesar de tudo é um enorme privilégio alimentar as minhas barrigas favoritas em todo o universo. Comprámos leite de côco, cajus, paus de canela - cinnamomum verum - com um sabor mesmo à séria e mais intenso que a comum, a cinnamomum cassia, também trouxemos curcuma, sabonetes de sândalo e Fortune Cookies. "It is up to you to create your own adventures" diz o meu.
domingo, 14 de junho de 2020
Com tradições
Hoje é dia de almoço de familia. Tem que parar tudo que é preciso ter tempo para o que importa. Vamos a Alcobaça ao meu irmão Paulo. Tive a sorte de crescer no meio de uma familia grande e bem estruturada, da qual ainda sinto que colho valores que os meus pais nos semearam. O meu avô Gregorio celebraria hoje 114 primaveras se fosse vivo. A minha Mónica também faz anos. E Pessoa também.
É definitivamente dia de festa!
Eu que me aborreço facilmente com rotinas, recordo com uma imensa doçura pequenos detalhes que me tornaram mais rica, se bem que os anos setenta até tiveram outros detalhes nada poéticos e ligeiramente traumatizantes como o deprimente quadro do menino da lágrima de Bragolin, indispensável em qualquer decor a preceito à época, as bocas de sino, as patilhas enormes do meu pai ou os colarinhos gigantes das camisas.
Já no panorama musical quase todas as boas bandas desta década ainda existem. E na verdade os anos oitenta não foram muito melhores na questão das vestimentas nem da música, mas o que lá vai, lá vai.
Coisas boas que ficam, é o mote.
Os rituais familiares. Praça ao sábado de manhã. Que gozo! Dentro do edifício e à volta. Havia de tudo e toda a gente se conhecia. Por cima ficavam os produtores de legumes e frutas e a padaria - ai o pão da minha amiga Susana!!! Aprendeu a arte com a mãe Elisa - que era quem vendia na praça durante a minha meninice - ainda hoje me faz água na boca só de me lembrar...caseiro, super crocante, robusto e com cheiro a conforto.
Eu que me aborreço facilmente com rotinas, recordo com uma imensa doçura pequenos detalhes que me tornaram mais rica, se bem que os anos setenta até tiveram outros detalhes nada poéticos e ligeiramente traumatizantes como o deprimente quadro do menino da lágrima de Bragolin, indispensável em qualquer decor a preceito à época, as bocas de sino, as patilhas enormes do meu pai ou os colarinhos gigantes das camisas.
Já no panorama musical quase todas as boas bandas desta década ainda existem. E na verdade os anos oitenta não foram muito melhores na questão das vestimentas nem da música, mas o que lá vai, lá vai.
Coisas boas que ficam, é o mote.
Os rituais familiares. Praça ao sábado de manhã. Que gozo! Dentro do edifício e à volta. Havia de tudo e toda a gente se conhecia. Por cima ficavam os produtores de legumes e frutas e a padaria - ai o pão da minha amiga Susana!!! Aprendeu a arte com a mãe Elisa - que era quem vendia na praça durante a minha meninice - ainda hoje me faz água na boca só de me lembrar...caseiro, super crocante, robusto e com cheiro a conforto.
Em baixo, o peixe e tudo para agricultura e criação de animais e as plantas e flores. À volta, a minha zona favorita na altura, os brinquedos e as roupas.
Aos domingos iamos à missa. Havia uma secção própria nos roupeiros só para a missa. E também tive uns sapatos de verniz pretos, pois claro - às tantas é por isso que adoro andar descalça. Domingo era dia de aperaltar. Interminável a duração da palestra, bocejava eu, enquanto sonhava com os colares de pinhões e com os tremoços da banca da dona Maria mesmo à saída da igreja. A seguir, almoçar fora. Tradicional português, claro. Todo um mundo diferente na altura.
Hoje quem vai cozinhar é o meu irmão e tenho a certeza que vai sair uma refeição digna de banquete do forno de lenha que ele construiu. O meu irmão é um artista, sorri a nossa mãe, orgulhosa. As outras duas dizem com algum ciúme saudável que eu e ele somos os dotados. Ele em quase tudo e eu na cozinha. Palavra de manas do meio, também muito prendadas, enquanto debicam talos de aipo e cenouras em hummus de curcuma.
Aos domingos iamos à missa. Havia uma secção própria nos roupeiros só para a missa. E também tive uns sapatos de verniz pretos, pois claro - às tantas é por isso que adoro andar descalça. Domingo era dia de aperaltar. Interminável a duração da palestra, bocejava eu, enquanto sonhava com os colares de pinhões e com os tremoços da banca da dona Maria mesmo à saída da igreja. A seguir, almoçar fora. Tradicional português, claro. Todo um mundo diferente na altura.
Hoje quem vai cozinhar é o meu irmão e tenho a certeza que vai sair uma refeição digna de banquete do forno de lenha que ele construiu. O meu irmão é um artista, sorri a nossa mãe, orgulhosa. As outras duas dizem com algum ciúme saudável que eu e ele somos os dotados. Ele em quase tudo e eu na cozinha. Palavra de manas do meio, também muito prendadas, enquanto debicam talos de aipo e cenouras em hummus de curcuma.
terça-feira, 9 de junho de 2020
Era uma vez no Oeste
Tantos dias de espera por um lugar ao sol para estender a toalha e carregar baterias, caiem por areia na praia que tem gente e carros a mais. Tivemos todos a mesma ideia. Eu prefiro abdicar e apanhar sol no terraço.
Não sei se a idade nos transforma ou se revela a essência que vamos esquecendo ao longo dos anos.
Lembro-me de nos meus quinze anos sentir que precisava de um espaço maior para evoluir e que a pequena e sossegada vila onde morava com os meus pais, não me chegava.
Hoje, crescida e aparentemente criada, fujo a sete pés de sitios pejados de pessoas, onde parece que tudo acontece e fujo para onde consigo encontrar paisagens vazias, silenciosas e paradas no tempo, com cheiros de mar, de árvores carregadas de frutos ou de campos de flores.
Há que seguir o ritmo que a vida nos pede. Mais dias virão e o mar não foge.
No caminho de volta passo no mercado bio e compro alperces. São como um regresso a casa. Eram as preferidas do meu pai. É incrível como os caminhos nos vão afastando das memórias que acabam sempre por voltar quando lhes apetece. Têm vida própria, toda a gente sabe.
Ainda ontem falava do significado de "casa" para mim e como julgo estar relacionado com tudo o que é mais forte que nós, como o amor, ou a fé e também as memórias.
O cheiro dos alperces ao descaroçar traz-me de volta. A polpa desfaz-se entre os dedos de tão maduros e sumarentos que estão.
É preciso fazer uma tarte! Melhor ainda, um crumble! Com farinha de aveia e noz pecan! Devia era sossegar, aproveitar o descanso para ler ou arrancar ervas da horta ou pura e simplesmente imitá-las e vegetar, mas como posso sair da cozinha com uma cesta de alperces perfumados e maduros a olhar para mim?
Fazer tartes é definitivamente "casa". Ontem foi de ameixas. Acabadinhas de apanhar da árvore. Uma no cesto, duas na boca, algumas no forno.
Que rica primavera, quase verão!
Andei eu anos a achar que era uma verdadeira cosmopolita quando tudo o que me vale na vida está aqui, no campo, nesta "casa".
Lembro-me de nos meus quinze anos sentir que precisava de um espaço maior para evoluir e que a pequena e sossegada vila onde morava com os meus pais, não me chegava.
Hoje, crescida e aparentemente criada, fujo a sete pés de sitios pejados de pessoas, onde parece que tudo acontece e fujo para onde consigo encontrar paisagens vazias, silenciosas e paradas no tempo, com cheiros de mar, de árvores carregadas de frutos ou de campos de flores.
Há que seguir o ritmo que a vida nos pede. Mais dias virão e o mar não foge.
No caminho de volta passo no mercado bio e compro alperces. São como um regresso a casa. Eram as preferidas do meu pai. É incrível como os caminhos nos vão afastando das memórias que acabam sempre por voltar quando lhes apetece. Têm vida própria, toda a gente sabe.
Ainda ontem falava do significado de "casa" para mim e como julgo estar relacionado com tudo o que é mais forte que nós, como o amor, ou a fé e também as memórias.
O cheiro dos alperces ao descaroçar traz-me de volta. A polpa desfaz-se entre os dedos de tão maduros e sumarentos que estão.
É preciso fazer uma tarte! Melhor ainda, um crumble! Com farinha de aveia e noz pecan! Devia era sossegar, aproveitar o descanso para ler ou arrancar ervas da horta ou pura e simplesmente imitá-las e vegetar, mas como posso sair da cozinha com uma cesta de alperces perfumados e maduros a olhar para mim?
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