quarta-feira, 6 de maio de 2020

Verdade e consequência


É do senso comum que quando nos sentimos felizes o tempo corre e quando nos falta alguma coisa, rasteja.
Isto para os humanos, claro. A espécie da eterna insatisfação. Aposto que tudo o que plantei na terra não precisa de horas ou minutos, só de criar raiz, alimento, sol e água. Que inveja das plantas, às vezes! Bem, também precisam de mimo, algumas. Nisto são como as pessoas. Umas crescem nas piores condições e privadas de tudo o que nos parece fundamental e ainda assim dão frutos doces só para mostrar o que valem. Outras precisam de mais substrato e que lhes afastem tudo o que é evasivo. Somos mesmo farinha do mesmo saco, deduzo eu, enquanto arranco ervas daninhas à volta dos coentros. Cresceram num instante e já consigo apanhar um molho valente para fazer uma sopa. Só comecei a gostar-lhes do sabor depois do Sebastião nascer. Curiosamente, ele nem os aprecia muito. Dado adquirido - parir transforma-nos não só o abdómen mas também o cérebro e o palato.
E passei por um momento que não tem mesmo nada a ver comigo por causa do raio dos coentros.
Há um filme giríssimo que se chama "A invenção da mentira". O argumento gira à volta de nenhum personagem ter filtros e todos dizem tudo o que pensam, mesmo tudo! Até que um dia no meio de uma enorme aflição alguém consegue finalmente não dizer a verdade. Só visto!
Sei que há pessoas que se identificam com o que eu escrevo, eu identifiquei-me com este argumento e percebi um bocadinho do que sofrem os que lidam comigo. Às vezes até consigo usar filtros coloridos para suavizar o impacto monocromático da franqueza extrema. Não sei se resultará, a técnica. Mas mentir, não sei! E o rapaz, há quase 30 anos atrás, devia ter pensado nisso quando me levou a jantar com os pais.
Pedi uma açorda, mas que não viesse com coentros, por favor! Hoje sei que quem não gosta de coentros não pede açorda e pronto! Não faz sentido. É o mesmo que cozinhar uma bolonhesa sem molho de tomate. O que é certo é que me fez sinal para fazer o esforço de comer a dita açorda que por engano saiu da cozinha mais verde que cor de pão, para os pais não ficarem mal impressionados.
O esforço saiu por onde entrou e não foi um espectáculo digno de se ver. No meio desta aflição lá confessei em desculpas que devia estar mal do estômago, porque também é do senso comum que para um coração apaixonado só uma verdade liberta.


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