A minha mãe queria ser professora e ter doze filhos, mas à minha irmã Margarida que só foi a segunda, já queria desistir.
Sabem aquelas pessoas que não deixam ninguém indiferente por onde passam? A minha mãe é assim. Toda a gente a adora porque se entrega muito e tem um coração gigante, sempre pronta para ajudar tudo e todos até quando lhe pedem para não o fazer... Sempre activa e incansável. Tirou o ciclo já eu era nascida, que dantes nestas terrinhas tirava-se a 4ª classe, quando se tirava... e depois era trabalhar, ainda na meninice. Aprendeu a falar francês para comunicar com o meu primo Laurent que vinha nas férias com o tio Mário e a tia Maria (uma francesa de Itália com quem o tio casou quando emigrou). E ela era ginástica, era grupo coral, era voluntariado, era cantorias e danças no lar onde se ficou a minha avó e estão agora as duas irmãs, as minhas tias, a Catarina e a Melita.
É sempre bola para a frente e tudo para cima.
Uma força da natureza com uma coragem e determinação invejáveis e uma resistência única. Já passou por muito, a minha mãe.
Quando eu apareci tinha entrado nos trintas e já oito anos antes quando nasceu a minha irmã Ana, tinha pensado onde raio estaria com a cabeça quando sonhava ter doze...
Esteve um pouco doente nessa altura e teve um apoio muito grande da cunhada Maria que me adorava e tomava conta de mim para a minha mãe descansar.
Esta Maria nasceu no dia dos namorados há muitos anos atrás e já há algum tempo que decidiu partir. Não teve a graça de poder ter filhos, mas agraciou todos os muitos sobrinhos com privilégios e amores ainda maiores que alguns laços maternos. Eu tive a sorte de além de sobrinha ser afilhada, de muitas vezes ainda bebé, dormir na gaveta de roupeiro a servir de berço que abria ao lado da cama. De partilhar com ela os lanches de Mokambo e pão com manteiga, dos passeios pelas escadarias da Sé de Leiria e do cheiro a colónia da Ach Brito ou dos sabonetes dentro das gavetas a perfumar os lençóis.
Ainda tenho toalhas de mesa de rendas feitas por ela e devo ter usado uma carrada de camisolas que ela tricotava numa maquineta que tinha.
A Maria Constança veio abençoada com o dom de espalhar amor e carinho por onde passasse, talvez por ter nascido no dia dos amores. Vejo-a como se fosse hoje, ainda nos tempos em que se lembrava de quem era, muito direitinha e arranjada, cabelo impecavelmente arrumado, perfumada e engomada a dar exemplo a todas as Marias por onde passou. Sim, venho de uma família em que as Marias não vão nem são como as outras. Esta ia atrás dos sobrinhos ou do meu tio Isildo, irmão mais velho do pai de quem eu gostava tanto!
A primeira vez que andei de carro, deve ter sido no Mini Morris bordeaux dele e ainda me lembro do cheiro a novo que o raio do carro nunca perdeu. Ele também o tratava quase melhor que tratava a sua Maria. DI-37-41, sim, também me lembro da matrícula.
Bem, na verdade, a primeira vez que eu andei de carro deve ter sido quando nasci para sair da maternidade em Torres Novas para regressar a casa.
No domingo em que nasci - ao meio dia, diz a minha mãe com toda a precisão porque ouviu as badaladas do sino a chamar para a missa e a irmã Blandina, a parteira, a refilar com o raio do timing que eu tinha escolhido para aparecer- estava um belo dia de sol, apesar do Inverno já estar à porta.
No mesmo quarto estava uma cigana que deu à luz duas gémeas. A minha mãe ainda hoje conta a história que a senhora não conseguia amamentar as duas crias e que o fez a uma delas. Desculpem se sou demasiado gráfica, mas partilhei a mama da minha mãe com uma pequena ciganita e se calhar é dai que vem o meu lado nómada e a mania de achar que adivinho coisas. Menos os números da lotaria, claro...
E também deve ser por ter nascido no tempo frio, mas num dia luminoso e colorido que gosto tanto do outono. Também gosto de dar cor às vidas e sobretudo sabor.
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