sábado, 21 de março de 2020

O dia em que o mundo fechou.

Se algum dia estas crónicas passarem a livro, as pessoas que as lerem nesse futuro, vão perceber ( com alguma sorte) as minhas palavras como que num passado muito distante e pseudo desconhecido. Eu também gostaria que nós, os que estamos a viver este presente, nos cruzassemos com essas pessoas para rirmos todos em conjunto. - Sim, esse ano da pandemia foi inesquecível para a saudade. Nunca o isolamento soube tanto a invasão de espaço. Tivemos que ficar em casa e o mundo fechado lá fora.
O mundo fechado tem beleza. Tudo tem. Há beleza nas ruas vazias, no silêncio dos carros parados, nas árvores que até parecem respirar melhor. Nos pássaros em delírio a usufruir da estação a chegar. A primavera ainda que timida, logo tomou posse, altiva e corajosa, a florir cheia de espaço e de tempo por todo o lado.
Espero que por Maio já se possa ir para o campo colher as favas.
Somos tão inúteis que tudo continua a crescer. Não fazemos falta nenhuma ao mundo lá fora. As faveiras estão cheias de flores e vagens a prosperar, completamente indiferentes aos nossos dramas. A chuva cai a estranhar a ausência dos nossos lamentos. O vento sopra as nuvens e a roupa que me esqueci de apanhar e o sol até já voltou outra vez. Os bichos em delírio de ter companhia a toda a hora e nós cheios de sentimentos de culpa por nos estar a saber tão bem parar.
Até os edifícios abandonados parecem felizes de não serem os únicos.
Um dia, quando tudo isto passar vou fazer uma tarte a lembrar a época do mundo fechado, como que em balanço. Já estou em pensar em sabores, enquanto vou escrevendo e lembro que pandemia até rima com pastelaria.

6 comentários:

  1. E se tudo correr bem, cá estarei, ansiosa, para provar essa tarte! Quanto às favas, por mim podem só florir e embelezar os nossos campos! Agora a sério, obrigada por esta crónica! Ajuda a não esquecer que o "essencial é invisível aos olhos"

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