terça-feira, 14 de abril de 2020

A árvore

E se a vida for só isto?
Este é o pensamento que me atormenta nos últimos dias.
E se não passa mesmo de um castigo divino para começarmos a dar valor ao que importa? Eu achava que já dava...
O que é certo é que as prioridades estão a mudar. A todos os níveis.
Antes de pensar no que vou fazer para o almoço, tenho que me lembrar que preciso não me esquecer de sobreviver.
Sento-me lá fora numa pausa a ouvir o silêncio e a reparar na enorme sorte que tenho tido. Todos os dias respiro fundo e tento perceber se o ar me contínua a fluir leve ou se começa a pesar. Estou bem. Mais um dia. Volto a respirar fundo e vou para a cozinha tratar da massa folhada para rechear com mascarpone e framboesas. O transe culinário, ajuda-me a desviar o assunto. Olho no reflexo da janela e descubro entretanto que as minhas sobrancelhas no formato original põem as da Frida Khalo a um canto. Há tantos anos que são contornadas, que já nem sei (e ainda bem) como são na génese. Contornadas, mas não por mim, que percebo a falta de jeito que tenho para as tarefas de cuidados femininos.
Tenho de corrigir isso!
O pensamento foge-me outra vez.
Não são só os miúdos que estão a ter aulas em casa. Nós parece que também. Estamos ou não a aprender a viver diferente, a cortar hábitos e padrões?
Se isto não é uma escola não sei o que será. Custa-me mesmo é cortar nos abraços e nos beijos. Será que também vamos aprender novas formas de manifestar o afecto sem o toque? Preferia cortar nos hidratos de carbono.
Sorte a dos bichos que não sofrem com estas regras e se rebolam sem preocupações.
Já cheira a massa folhada que alourou entretanto. Começou a trovejar. Ouço o carteiro. Recebi um postal! Confesso que sinto este regresso às tradições bonitas como uma benção. É bom ter o essencial. O essencial é muito menos do que julgamos. E é bom ler em papel e não receber só contas e promoções do supermercado.
Um postal manuscrito é uma impressão digital que nos entra pela caixa do correio. Sente-se a presença de quem escreve, além da voz, em cada palavra. Um abraço de papel de um ramo da mesma árvore.

2 comentários:

  1. Lindo, como tudo o que escreves mana. Abracinho virtual, apertadinho 🤗😘

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  2. Maravilhoso!
    E sabes tu que no outro dia me coloquei a pensar nisso mesmo?
    Que deveríamos escrever cartas de novo. 😍❤
    Alexandra

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