sexta-feira, 10 de abril de 2020

A eito

De vez em quando, no meio de uma qualquer tarefa mundana, dou por mim a ouvir vozes. Calma. São vozes apenas na minha cabeça mas não passam de ecos ou de memórias não selectivas que pulsam esporadicamente das profundezas do meu inconsciente. Isto promete...
Não, não comi os cogumelos errados, nem estou a sofrer de quarentenacinações!
Eu já explico!
Mas fiquei a pensar que é curioso crescermos, evoluirmos (alguns de nós, pelo menos...) num percurso tão único, pessoal e intransmissível e mesmo assim, chegarmos aos quarentas e poucos e ainda ouvirmos esses ecos que soam a tempos pré históricos, em toda uma retrospectiva e completamente do nada.
Ou se calhar, do tudo. Mais ou menos assim:
Estou eu a tentar organizar um pequeno viveiro de aromáticas muito artesanal em aproveitamento de umas caixas de ovos e tenho sementes de Manjericão, Hortelã, Coentros e Tomilho.
Como sou uma megalómana visionária, penso logo em enormes molhos de cheiros para me perfumarem os pratos, começo a sentir-lhes os aromas e aposto que até pensei numa receita em que as pudesse usar às quatro ao mesmo tempo, de tão entusiasmada que estava.
Como as embalagens trazem dezenas de sementes, preparei muitaaas caixas de ovos.
Como não há bela sem senão, grandes resultados requerem grandes trabalhos e o trabalho não me assusta nada, já a rotina, mata-me de tédio.
Ou seja, antes de começar a abandalhar, fui com uma pinça quase semente a semente e com mil cuidados enquanto imaginava rituais de fertilidade e prosperidade e a desejar longa vida a cada uma delas, e depois houve uma altura, talvez umas cinquenta pequenas sementinhas depois, que o tédio me invadiu e decidi abdicar da minuciosidade e do detalhe e sou capaz de as ter atirado um bocadinho a monte e indiscriminadamente enquanto me convencia - pronto, seja o que Deus quiser, o que tiver de ser, será! 
Eu até acredito no destino...
Deve ter sido mais ou menos por esta altura que começaram as vozes na minha cabeça. E até podia ser a minha consciência, mas a expressão e o tom eram de certeza do meu pai.
- "A eito, Angelita. A eito! "

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