quarta-feira, 29 de abril de 2020

Teremos sempre Paris

Fiz uma jura. Prometi-me que hoje não vou refilar! As lamúrias vão-se entranhando sem querer e o meu cérebro às vezes soa-me a uma velha rezingona. Hoje hei-de conseguir desviar o foco para a beleza! Mandamento do dia - não refilarás!
Até começou bem. Ainda no quente aconchego dos lençóis e em jeito de câmara lenta percebo que está a chover. E isto podia ser logo o primeiro resmungo do dia, mas o som da chuva é capaz de ser o meu som favorito de todos, assim no sossego, quando o dia ainda deixa ouvir tudo do que importa. E hoje eu estou mesmo determinada! A chuva é uma benção e eu levo as juras muito a sério. E com esta determinação faço umas papas de aveia com banana. Tenho que dar tréguas à balança e parar com o café. Preciso mudar o meu ritmo para não empurrar o da vida que decidiu abrandar.
É incrível o quanto nos habituamos a funcionar com o raio da cafeína que em abstinência parece que passámos a noite toda em claro. Já estou a reclamar, pronto! Faço uma cevadinha a sorrir. O riso é indutor e assim volto ao foco, mesmo que não consiga parar de bocejar. Sorrir e bocejar ao mesmo tempo é verdadeiro desafio!
Sento-me a fazer a lista das compras para compor a despensa. Tenho de ir à Vila buscar cogumelos. Vou fazer um festim! Isto transporta-me a um dos episódios da minha vida, grávida do meu filho mais velho a assistir à estreia da Cidade dos Anjos em exibição no cinema em Vilamoura.
Há uma cena no filme em que a Meg Ryan, numa biblioteca lê um excerto de um livro de Hemingway que fala de comida. E eu bem digo que a vida nos vai dando montes de pistas, que no meu caso me iam passando ao lado. Reza assim - "Comi as ostras, que possuíam um forte sabor a água do mar e um leve travo metálico que o vinho branco e fresco ia neutralizando para lhes deixar somente o gosto próprio da sua massa suculenta, e, à medida que ia bebendo o líquido frio de cada concha e o fazia descer com o vinho fresco e bem apaladado, ia deixando de sentir a tal impressão de vazio."
Passou-me ao lado o autor durante a sessão de cinema.
Ponto 1- nunca comi uma ostra na vida.
Ponto 2- não sou fã de vinho branco.
Ponto 3- esta frase bateu-me de tal maneira que no final fui à bilheteira perguntar se sabiam o nome do livro citado no filme.
Ponto 4- Há pessoas incrivelmente boas no mundo e mesmo pacientes e prestáveis.
Estar muito grávida deve ter contribuído. É do senso comum que se têm desejos estranhos. Lá me deram o número de telefone para ligar que iam tomar atenção a esse detalhe na sessão seguinte.
"A moveable feast", traduzido para português "Paris é uma festa".
Como encontrei o livro depois de o procurar incansavelmente numa época em que não era tão simples quanto agora, fica para outra história. Agora vou cozinhar um banquete! 

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