Quando acabei o preparatório tive uma psicóloga de orientação vocacional que me fez uns testes para me ajudar a encontrar a rota seguinte. A professora Etelvina Cristóvão, uma querida, com quem ainda troquei algumas cartas depois, acreditava piamente que eu devia seguir a veia criativa, apesar dos resultados dos testes apontarem que tinha mais aptidões para matemática (todavia as notas tinham sido péssimas nesse ano) e raciocínio numérico e para línguas (se calhar já em alusão às de gato ou de veado). A criatividade era a terceira coluna mais alta do gráfico.
Não sei se posso ou devo responsabilizá-la, mas o que é certo é que foi ela que me meteu à frente os formulários de inscrição do Fit Moda, na Rua do Salitre, ainda por cima mesmo ali ao lado da Alexandre Herculano, onde trabalhava a minha irmã Ana.
A Ana é a menina do meio. Somos as três muito parecidas na estrutura, mas a do meio é a mais romântica. Acho que ainda hoje ela sonha que um dia virá um príncipe num cavalo branco que a levará para um dos castelos do país dos felizes para sempre. Um mulherão, ainda assim. Lutadora e com muito pêlo na venta. Condição genética, de certo. Cresci muito com ela. Apesar de termos muitos interesses comuns, é muito mais feminina e vaidosa que eu. A Nita cuida-se e enfeita-se de "tiaras e vestidos de princesa". Eu sempre senti que sou a princesa, o cavalo branco e o príncipe, e que já estou quase sempre num "país feliz". Quando saímos juntas para almoçar e pôr a conversa em dia, ela entra em todas as lojas trend de moda e decoração, tem um incrível sentido estético, a minha do meio, enquanto eu aguardo pacientemente numa Bertrand ou Fnac qualquer a descobrir o que há de novo em música e livros. Eu a ser pseudo intelectual e ela com a beleza e a estética que a alimenta. Um dia ofereceu-me um livro que disse que era muito bom, mas eu, leitora aficcionada e conhecedora, achei que era cor de rosa demais para mim e deixei-o a um canto para não ser bruta e lhe confessar que o meu elevado nível intelectual não se permitia a esse tipo de leitura. "Os Homens são de Marte e as mulheres são de Vénus."
E eu amo mitologia. Isso sim, leitura própria e evolucionista! Passo a dicotomia.
Guardei-o numa fila da estante junto aos livros que só enfeitam e que ficam no esquecimento. É curioso como a vida se encarrega sempre de nos fazer beber grandes chávenas de chá de humildade, o que é bom para a tosse, enquanto nos dá pistas do que importa e que estamos todos tão ligados uns aos outros, mesmo quando nem temos noção do quanto.
Há muitos anos atrás, depois do meu pai morrer passei por uma fase muito dolorosa e isso abalou bastante o meu relacionamento que aparentava mesmo estar a chegar ao fim. Já em aceitação e a pensar que era melhor começar a fazer triagens e a arrumar caixas com pertences, estou de volta dos livros, e do nada, há um que me cai mesmo em cima do dedo grande do pé e de certeza me fez gritar um palavrão enorme e feio do qual não me orgulho! Sentei-me no chão, ainda a praguejar e amaldicionar o ter nascido tão desastrada no meio de contorções e grunhidos, mas lá me decidi a abrir pela primeira vez o livro da Nita. Julgo que às vezes nem são tanto os conteúdos nem todos os detalhes de um cenário inteiro, mas sim a nossa rendição ao que somos e a necessidade urgente de sermos melhores. Li-o. Todo! Tomei notas mentais. E juro que aprendi coisas que nunca ninguém me tinha ensinado. Consciente, decidi testá-las. E por milagre, acaso ou destino, a relação durou mais dez anos. Passei a dar muito mais valor à mana do meio e estar muito mais atenta ao que me cai em cima dos dedos dos pés.
domingo, 26 de abril de 2020
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